FUXICO DE FEIRA

A imagem pode conter: 2 pessoas, incluindo Fernandinho Régis, pessoas sorrindo, pessoas tocando instrumentos musicais, pessoas no palco e atividades ao ar livre
Surgido por acaso, como experimento, o grupo Fuxico de Feira rapidamente conquistou o respeito e o interesse do povo natalense. Por coincidência, eu estava em sua estreia, em agosto do ano passado, no bar Acabou Chorare, em Ponta Negra. A reunião de jornalistas pela democracia acabou em festa com a apresentação dos meninos, mas o que me chamou atenção mesmo foi a viola caipira.
Muito incomum o uso deste instrumento aqui em nossa região por alguém que não se propõe a cantar repente ou músicas de nosso cancioneiro popular nordestino. Infelizmente, devido o adiantamento da hora, não pude ouvir com atenção a primeira apresentação artística do grupo, o que veio acontecer somente agora, neste final de semana que passou.
Fuxico de Feira foi o segundo grupo a tocar na Cervejaria Resistência, também em Ponta Negra, durante noite dedicada a Cuba. Mas eles não tocaram música caribenha, nem em castelhano, como esperávamos. No repertório teve baião, xaxado, ciranda, frevo, carimbó, músicas da tradição oral – alto do boi de reis, canto de escravo, coco do mestre Chico Antônio – e, claro, pagode rural. Mas as pessoas não ligaram para a mudança do tema musical, ao contrário, caíram no salão.
Como admirador da música caipira do Centro-Oeste, interior de São Paulo, Minas Gerais, nunca tinha visto por estas bandas ninguém tocar este ritmo. Claro que dentro da apresentação, o violeiro Fernandinho Régis fez uma mistura dos ritmos e empregou pouca pressão no instrumento. Não deu pra ver o ponteado ou algo que remetesse ao rasqueado, mas, embora tenha misturado canto de escravo com o autêntico pagode rural, deu para sentir o sabor da música originária caipira.
Fernandinho é um cara bacana. Expõe um sorriso largo na cara de nerd. Cabelo de anjo e óculos de grau determinam a ideia de menino concentrado, gente boa. No palco é um gigante. Bom instrumentista, toca viola caipira, rabeca e bandolim. Afinado, canta com propriedade e acentuação própria. Típico cantador tradicional que emprega bem o tom nas apresentações de forró e gêneros semelhantes, conquista pela suavidade.
Oriundo do projeto Conexão Felipe Camarão, teve acesso à força da música tradicional brasileira aprendendo a tocar rabeca. A viola aprendeu com o auditor fiscal Marcelo Othon, mineiro que introduziu em Natal esta cultura.

A imagem pode conter: 4 pessoas, incluindo Abner Moabe e Fernandinho Régis, pessoas sorrindo, pessoas em pé
Mas o Fuxico de Feira não se resume a Fernandinho. Igual a ele, Abner Moabe, percussionista e flautista, e Valério Felipe, percussionista, são oriundos do projeto Conexão. Felipe Erick, sanfoneiro, agregou-se ao grupo por outro meio, mas possui igual interesse rítmico, tanto que se encaixou perfeitamente.
Abner que também apoia no vocal tem ainda a seu favor o fato de ter, entre seus professores preferidos, o mestre Carlos Zens. Aliás, é de Zens que vem o nome do grupo. Fuxico de Feira dá o nome a uma música e a um disco dele. Uma preciosidade instrumental baseada no pífano que resgata além de imagens, sentimentos e saudades. O disco todo do Zens tem essa pegada, incluindo clássicos como a valsa Royal Cinema, do potiguar Tonheca Dantas, e o choro Escadaria do catarinense Pedro Raimundo.
O que impressiona no grupo Fuxico de Feira é a forma como eles conseguem harmonizar os ritmos ao gosto do ambiente. Até o amadorismo observado combina com a proposta. Vez ou outra, Fernandinho olha para Abner e pergunta qual será a próxima música. Parte do caderno de repertório está escrito à mão. Mas estas pausas são até necessárias, porque quando eles recomeçam fica ruim parar até para pegar outra cerveja.
Fuxico de Feira é prova viva de que o brasileiro gosta de muitos ritmos, incluindo a música tradicional, apesar de quase não conhecê-la. Todo mundo dança coco, canto de escravo, ciranda, pagode rural e carimbó na mesma emoção que dança forró ou sertanejo universitário. Basta estar no cardápio e ser bem tocado.
O grupo trabalha esse repertório de maneira tão equilibrada que pouco se percebe a mudança de um ritmo a outro. E, mesmo quando eu pedi para tocar um pagode rural, o salão continuou em chamas.
Lá para as tantas, músicas populares de José Orlando, Alípio Martins e outros cantores que fizeram muito sucesso no brega dançante das décadas de 1970 e 1980 levaram o público à loucura. Gritos e algazarra completaram o ambiente de uma feira nos moldes antigos, dentro da proposta do grupo de fazer da festa uma feira, ou o contrário, tanto faz.

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