Carta a Walther Moreira Santos


Você conseguiu de novo. Assim como na primeira vez, você me prendeu e surpreendeu do começo ao fim. A narrativa é breve e ao mesmo tempo densa. Não é como Helena Gold que só tem de proximidade a rapidez da narrativa e a forma de encadear a trama. É diferente. O Ciclista é tenso, sendo leve. Talvez eu me torne budista. Já vinha pensando nisso há algum tempo, mas acho que Caio me deu motivos para isso, ou foi Edgar? Não me lembro agora, mas sei que ambos me mostraram que pensar na vida antes de pensar nas coisas me tornará menos chumbo, menos tijolo. Eu penso em voar e os tijolos não voam sem destruir seu alvo. 

Confesso que resguardei a ansiedade e comecei descrente. Afinal, o que um cliclista teria tanto a dizer? Sobretudo um ciclista desconhecido, que fala pouco, que diz quase nada. Mas aí mal pisei em Bariloche e comecei a viajar nas mesmas incursões. E depois, preso na relação disforme de Edgnar, Ceres e Caio – depois vem esse ciclista, o budismo e aquela aparição final que ainda não sei o que dizer. O que eu diria se fosse Edgnar? Talvez eu saiba porque, como ele, sou tosco e insano, sou tosco e submisso, sou tosco demais para dizer a verdade.


Lembro-me como se fosse hoje o dia em que encontrei Helena Gold. Pequena, magrinha perdida entre os monstros idiossincráticos na estante das Americanas. Mas ela se impunha, ela dizia: eu matei meu marido, eu sou perigosa e insana. E foi assim que nos conhecemos. Quando estive com Ceres pensei muito em Helena, porque a qualquer momento uma poderia se tornar a outra tal é a vulnerabilidade humana. Agora eu vou mais adiante. Espero “um certo rumor de asas” e a bula “dentro da chuva amarela”. É claro que não esqueci de “o colecionador de manhãs”, mas este está difícil porque como você mesmo disse: o inferno está cheio de velhos simpáticos e meninas boazinhas. Helena, Ceres? Até que ponto não somos nós os velhinhos cafajestes que simpatizam o outro escondidos na desculpa da mediocridade? Eu sou medíocre, e você?

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