O teatro de Raban

                                                 Foto: (Cindy Sherman)

Em 1974, Jonathan Raban descrevia o novo comportamento urbano do mundo antecipando, em muitos anos, o que vivemos hoje. Em seu Soft City ele revela a construção de signos e imagens que se tornariam, na atualidade, corriqueiras e comuns, embora sejam produzidos a partir de um sistema racionalizado e automatizado de produção e consumo de massa de bens materiais, como disse Harvey. Raban foi o primeiro a falar de termos como “gentrification” que é o surgimento de uma camada social média e “yuppie”, adjacência utilizada para designar os jovens profissionais urbanos, atualmente formados, em sua maioria, pelos nerds. O autor já observava um “individualismo e um empreendimentismo disseminados em que as marcas da distinção social eram conferidas em larga medida pelas posses e pela aparência” enquanto ainda se defendia a divisão da cidade por classes.

A urbanização do Brasil que foi acontecendo ao longo do século 20, intensificando-se a partir das últimas três décadas desse século também provocou esta mudança na construção social das comunidades, sendo possível uma observação mais crua nos tempos atuais, sobretudo após a fortificação da internet e das redes sociais. Usando as palavras de Raban sobre a Londres da década de 1970, no Brasil atual, a cidade parece mais um teatro, uma série de palcos em que indivíduos podem operar sua própria magia distintiva enquanto representam uma multiplicidade de papéis e sua construção física se faz de forma labiríntica. Para este autor, a cidade tornou-se um lugar em que as pessoas tinham relativa liberdade para agir como queriam e para se tornar o que queriam: “decida quem você é, e a cidade mais uma vez vai assumir uma forma fixa ao seu redor”.

De todas as observações feitas por Raban para determinar a cidade moderna, ao qual estamos inseridos hoje no Brasil, a que mais se assemelha ao que temos à nossa janela hoje é o que trata do “imperialismo do gosto”, esta normatização do status quo disfarçado na tarefa de produzir fantasias e disfarces para recriar, sob novas formas, a própria hierarquia de valores. É assim que vemos a urgência dos homens dos nossos dias na busca incessante pela forma física que o limita a se distanciar de prazeres orgânicos, alguns atrelados ao que Marx chamou de reino da necessidade natural, como é o prazer de comer. Há pessoas comprando balanças para pesar o que comem diariamente ou para medir as calorias que consomem. Ao fazer isso, o homem pós-moderno afasta-se de outro reino, o da liberdade, então discutido por Hegel, aprisionando-se em si mesmo em nome de cultura narcisista imposta pela própria cidade ou pela sua própria teatralização.

Raban continua atual, principalmente em se consolidando a cultura yuppie que se materializa com bastante rapidez. Há um cenário de novos homens e mulheres menos preocupados com as formas físicas perfeitas, mas não menos preocupados com a aparência, agora determinada por uma construção despretensiosa, mais natural; homens de barba, mulheres infantilizadas com óculos enormes que representam, de fato, uma mudança no valor estético, embora seja apenas a mudança de cenário para um novo espetáculo da cidade teatral.


*Sob influência do texto: Passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura contemporânea de David Harvey

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